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Orelha de jJane tTutikian para a ponta do silêncio
17/10/2016 / Valesca de Assis

Se é sempre ótima a notícia da chegada de um novo livro, mais, ainda, quando se trata de um novo livro de Valesca de Assis. Há muito que Valesca já disse a que veio e imprimiu, definitivamente, sua marca na literatura brasileira. Com um estilo maduro e fortemente individuado, a autora vem tirar o leitor  do conforto e o faz com grande habilidade.  A trama está situada no passado, mas poderia ser no presente. Acontece na pequena cidade de Cruzeiro, mas poderia acontecer aqui, ali, em qualquer grande metrópole do mundo. E as pessoas, ah!, as pessoas são nossos conhecidos e desconhecidos no seu dia a dia, esse dia a dia em que simplesmente tomam posições - " Sei lá, nem ouvi falar direito sobre isso...mas acho que é culpada." - independentemente dos diferentes desfechos. Quantos Rudys andam por aí? Quantas Margas  amordaçadas, vivendo " para dentro" até a explosão  nos cercam? 
 
É o que há de mais apaixonante na literatura. Transformar vida em arte - colocar à nossa frente personagens e dramas  com  que nos deparamos cotidianamente e que, se para a maioria de nós  passam despercebidos, são captados com sensibilidade pela lente da escritora.  O que ela desvenda nas inquietações expostasé a  expressão da realidade humana nos seus aspectos mais profundos, é a vida de pessoas que permanecem estranhas umas às  outras e, sobretudo, protegidas de si e do outro, até que.
 
A narrativa é simples e densa e forte, atravessada por estratégias como as cartas a Leonel. É o tempo de uma vida e de uma confissão. E ela se constroi na medida em que é tecida na busca mesmo " de sentido no bordado e na escritura. "  
 
Uma leitura fácil para quem quiser assim ler, uma leitura difícil para quem quiser tocar na parte “submersa das geleiras". A leitura de A ponta do silêncio  é risco e desfazimento de certezas herdadas e conquistadas. É, por ventura, onde reside o prazer da sua leitura: na inquietação semeada. Fecha-se o livro com uma revolução instaurada em nós mesmos. E quem há de negar que este não é o melhor da literatura? É que talento não se adquire. Escritoré, desde sempre. Valesca de Assis é, desde sempre. 
 
 
Jane Tutikian
Outono/ 2016