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Viagem literária de Valesca de Assis
15/11/2007
Quem olha a fotografia na contracapa ou observa as disponíveis em sua página na internet (www.ailha.com.br/valesca) não imagina como uma mulher sorridente e simpática oriente iniciantes numa oficina literária, escreva livros e, aliando o ensino da escrita à escrita pragmática, tenha seus trabalhos reconhecidos com prêmios importantes como o concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte.
A escritora gaúcha Valesca de Assis escreve romances, participa de antologias, publica ensaios. Desponta como uma das revelações da literatura brasileira que devem ser celebradas ainda em vida como ressalta o escritor Deonísio da Silva na abertura de “Harmonia das esferas”: “(...) não esperem que Valesca de Assis seja descoberta por estrangeiros, nem lhe exijam antes o atestado de óbito para ler seus livros e estudá-los, como fizeram com Clarice Lispector e tantos outros”.
A escrita singular aponta para caminhos pouco trilhados em que o foco narrativo de terceira pessoa se mistura e se separa da dialética construída entre narrador e personagem.
A função dialética proposta requer atenção principalmente na compreensão das interessantes construções sintáticas que levam as nuances estilísticas contemporâneas ao leitor refinado.
O romance narra a vida de um professor, poeta frustrado, mal casado com uma mulher que o humilha extemporânea e diariamente em questões relacionadas ao seu fracasso pessoal, profissional e financeiro. As agruras pelas quais passa Leocádio Schreiber dos Santos, nome artístico Leo Schreiber, são universais.
Embora viva de favor na casa da sogra falecida, Leo tenta, aos poucos, manter uma vida paralela, dedicando-se não a relacionamentos amorosos, mas a inserções literárias e culturais locais.
Numa dessas aventuras intelectuais, participando às escondidas de uma noite de autógrafos, ele conhece Magdala Miranda. Indagado se é escritor, ele confirma, meio envergonhado, justificando a falta de seu nome nas prateleiras pela ausência de oportunidades editoriais. Ela, ex-amante de um oficial do exército, vivera durante a ditadura militar numa ilha escondida no Rio Guaíba. Convida-o a escrever sua biografia.
Apesar de aceitar o convite, Leo sente-se inseguro pelo fracasso de duas experiências anteriores nas quais abandonou seus projetos em razão da descoberta de situações que constrangeriam e comprometeriam os biografados e que, ao fim, prejudicariam os projetos de livro. Mesmo inseguro, não se intimida, colhe informações, conversa, troca idéias e, de maneira indescritível, viaja com Magdala por trajetos inóspitos.
De maneira mais aprofundada, em que o enredo, o ambiente e os personagens cedem lugar à depreensão abstrata do texto, é possível observar como Valesca de Assis capta as discussões literárias e as insere oportunamente em sua obra. Prova disso é o último diálogo entre Leo e Magdala em que, alertado pela biografada de que não se lembrava de alguns detalhes mencionados, ele responde: “-Não importa, querida. Sou escritor, você mesma me convenceu. E os escritores estão no mundo para inventar”. (p.120)
Anos depois, o escritor mexicano Carlos Fuentes defenderia essa corrente literária, inscrita no livro de Valesca, em um conjunto de ensaios literários a que deu o nome de “Geografia do Romance”: “A liberdade da arte consiste, em contra-partida, em ensinar-nos o que não sabemos. O escritor e o artista não sabem: imaginam. A imaginação é o nome do conhecimento na literatura e na arte”.
As palavras do escritor Deonísio da Silva, na abertura do romance, constituem alerta: Valesca deve ser festejada não apenas por pertencer a uma tradição literária original, que é a gaúcha, mas por reunir elementos indispensáveis na construção sintática diferente, por captar as discussões literárias contemporâneas e, especialmente, por proporcionar uma literatura refinada marcada pela complexidade – em seu nível abstrato – aliada à simplicidade: características louváveis, porém pouco praticadas.
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A escritora Valesca de Assis constará novamente deste espaço em 6 de dezembro, data em que analisaremos “Antologia de contistas bissextos”, edição organizada pelo contista Sergio Faraco e publicada pela L&PM.
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Harmonia das Esferas
Valesca de Assis – WS Editor – 128 páginas – R$ 23,00